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Novas estratégias de ventilação mecânica na lesão pulmonar aguda e na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda

Respiratory Failure; Acute Respiratory Distress Syndrome; Acute lung injury; Mechanical ventilation; Prone ventilation

Insuficiência respiratória aguda; Síndrome da Angústia Respiratória Aguda; Lesão pulmonar aguda; Ventilação mecânica; Ventilação em pronação

NOVAS ESTRATÉGIAS DE VENTILAÇÃO MECÂNICA NA LESÃO PULMONAR AGUDA E NA SÍNDROME DA ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA AGUDA

R. COIMBRA**Correspondência: Division of Trauma and Surgical Critical Care, Department of Surgery. UCSD Medical Center. 200 W Arbor Drive, San Diego, CA, USA 92103-8896. Fax: +(619) 293-0920 E-mail: rcoimbra@ucsd.edu, C.C. SILVERIO

Trabalho realizado na Division of Trauma and Surgical Critical Care, Department of Surgery, University of California San Diego, San Diego, California, USA

UNITERMOS: Insuficiência respiratória aguda. Síndrome da Angústia Respiratória Aguda. Lesão pulmonar aguda. Ventilação mecânica. Ventilação em pronação.

KEY WORDS: Respiratory Failure. Acute Respiratory Distress Syndrome. Acute lung injury. Mechanical ventilation. Prone ventilation.

INTRODUÇÃO

A Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) foi reconhecida como uma síndrome clínica em 19671. Desde então, inúmeros avanços relacionados a terapia intensiva e ventilação mecânica ocorreram, porém sem determinar mudanças significativas nas taxas de mortalidade, que permanecem ao redor de 50%2. Recentemente, definições mais modernas e apropriadas de SARA e Lesão Pulmonar Aguda (LPA) obtidas por consenso foram publicadas3.

A LPA caracteriza-se por relação entre a pressão parcial de Oxigênio no sangue arterial (PaO2)e a fração inspiratória de Oxigênio (FIO2) < 300 mmHg, infiltrados pulmonares bilaterais e difusos, ausência de componente cardiogênico na gênese do edema pulmonar (pressão encunhada de capilar pulmonar < 18 mmHg), presença de fatores de risco, tais como choque, sepse, resposta inflamatória sistêmica, infecção/inflamação intrabdominal, etc. A SARA é definida como a LPA, exceto que nesta a PaO2/FIO2 < 200 mmHg. Os motivos pelos quais as taxas de mortalidade permanecem elevadas ainda não estão bem esclarecidos, entretanto, nos últimos anos, um melhor conhecimento da fisiopatologia da LPA e da SARA determinaram mudanças significativas no tratamento, particularmente quanto à forma de ventilação mecânica empregada.

Este trabalho tem por objetivo descrever os novos conceitos relacionados a fisiopatologia e as novas estratégias de ventilação mecânica empregadas em doentes com LPA e SARA.

Fisiopatologia ¾ Novos Conceitos

Na fase inicial da LPA, denominada fase exsudativa, os doentes apresentam déficit de oxigenação, provavelmente causado por diminuição da complacência pulmonar em função de infiltrados pulmonares bilaterais4-6. Nesta fase, cuja duração é de 3 a 5 dias, inicia-se uma excessiva resposta inflamatória com ativação de macrófagos alveolares e recrutamento e ativação de neutrófilos, culminando em aumento da permeabilidade capilar pulmonar e trombose microvascular, o que determina edema intersticial e alveolar. Postula-se também a existência de produção anormal ou inativação do surfactante como causa contribuinte do acometimento alveolar7-10.

A evolução dos doentes a partir dessa fase inicial é heterogênea. Alguns doentes evoluem com resolução da fase exsudativa e a lesão pulmonar progride para uma fase sub-aguda ou crônica.

A fase subaguda, também denominada fibroproliferativa, caracteriza-se por aumento do espaço morto alveolar, complacência pulmonar persistentemente reduzida e hipoxemia, tornando-se necessário maior ventilação minuto, aumento na pressão das vias aéreas, FiO2 elevada e aumento da pressão expiratória final positiva (PEEP) para manuteção da PaO2 e da pressão parcial de dióxido de carbono no sangue (PaCO2) em níveis toleráveis. Radiologicamente, observam-se infiltrados pulmonares bilaterais e difusos. Do ponto de vista microscópico nota-se fibrose instersticial com proliferação de pneumócitos do tipo II, obstrução e destruição de partes da microcirculação pulmonar11-13. A resolução do processo de fibrose alveolar é lenta e requer reestruturação da arquitetura do pulmão.

Os doentes nos quais a insuficiência respiratória prolonga-se por mais de duas semanas desenvolvem lesão pulmonar crônica, caracterizada do ponto de vista microscópico por fibrose pulmonar difusa, obliteração da arquitetura alveolar normal e desenvolvimento de áreas de enfisema11,13,14. Esta fase é denominada fase fibrótica (Quadro I).


Lesão Pulmonar Induzida pela Ventilação Mecânica (LPIVM)

A LPIVM, durante muitos anos, resumiu-se ao pneumotórax causado por aumento da pressão nas vias aéreas (barotrauma). Entretanto, estudos recentes propuseram que a ventilação mecânica, fundamental no tratamento de doentes com LPA e SARA, pode causar ou agravar a lesão pulmonar preexistente15,16.

Observou-se edema instersticial e alveolar, aumento da permeabilidade capilar e lesão tecidual grave após ventilação mecânica em animais de experimentação sadios16. Tais alterações microscópicas e funcionais são, na maioria das vezes, indistinguíveis daquelas que ocorrem na LPA ou SARA, descritas anteriormente. Assim, a hipótese de que a ventilação mecânica pode agravar a LPA é, atualmente, amplamente aceita. Os mecanismos responsáveis pela LPIVM são diversos e estão além dos objetivos deste trabalho, entretanto parece que a combinação de fatores mecânicos (hiperdistensão alveolar e aumento da pressão transmural vascular), celulares (ativação de neutrófilos e macrófagos), inativação do surfactante e síntese de mediadores inflamatórios determinam, em última análise, a lesão pulmonar (Figura I).


Os fatores propostos mais importantes associados à LPIVM são volume corrente elevado associado à pressão transpulmonar aumentada, hiperdistensão alveolar, distensão e colapso alveolar repetidos secundários ao reduzido volume expiratório final. Lesão pulmonar preexistente, inflamação aguda, FIO2 elevada, fluxo sangüíneo local, e produção local e sistêmica de mediadores inflamatórios funcionam como fatores adjuvantes no desenvolvimento da LPIVM.

A hiperdistensão alveolar associada ao aumento da pressão transalveolar é importante, uma vez que o aumento isolado da pressão nas vias aéreas sem concomitante hiperdistensão alveolar nao é deletério. Por outro lado, pressão e volumes elevados durante ventilação mecânica determinam aumento na permeabilidade pulmonar e na pressão vascular pulmonar transmural, induzindo edema pulmonar ou agravando edema pulmonar preexistente. Do ponto de vista fisiopatológico, com o aumento da pressão transalveolar e distensão dos alveolos, o gradiente de pressão resultante leva à ruptura e passagem de gás através da membrana alvéolo-capilar17.

O colapso e distensão alveolar repetidos em áreas comprometidas do parênquima pulmonar é deletério, pois cria forças de cisalhamento na parede alveolar, determina aumento na síntese e liberação local de mediadores inflamatórios, agravando a lesão alveolar e o processo inflamatório local. A fim de minimizar tais efeitos, tem sido proposto o uso de PEEP, apesar de que não há ainda consenso sobre qual seria o PEEP ideal na SARA e na LPA18-20.

A fim de compreender-se as alterações microscópicas e funcionais acima descritas, é importante ter em mente que a SARA passou a ser vista não como um processo somente difuso, mas sim difuso e heterogêneo, de modo que existem áreas do parênquima pulmonar normal entremeadas a áreas de parênquima pulmonar alterado, o que determina diferenças regionais na ventilação21,22. Usando-se volumes correntes de 10 mL/kg em pulmões com 75% de redução do volume funcional equivale a utilizar volumes correntes de 40 mL/kg para ventilar alvéolos normais. Como conseqüência, ocorre aumento da pressão transalveolar, acarretando forças de cisalhamento entre áreas normais e alteradas do parênquima pulmonar.

Relevância Clínica ¾ Novas estratégias de ventilação mecânica na LPA e SARA

Apesar de ser difícil transpor a experiência adquirida em animais de experimentação aos seres humanos com SARA, tem sido amplamente aceito que doentes com SARA têm maior risco de desenvolver barotrauma porque a lesão pulmonar é grave ou porque há hiperdistensão alveolar induzida pela ventilação mecânica. Dessa forma, surgiu o conceito de Volutrauma, no qual o volume corrente tradicionalmente administrado (10-15 ml/Kg) resulta em lesão pulmonar iatrogênica em função da exacerbação das reações inflamatórias e fibroproliferativas, características da piora da injúria pulmonar na SARA. A hiperdistensão alveolar levaria ao baratrauma e conseqüente pneumotórax10,23.

Em função das evidências experimentais e clínicas acima descritas de que a ventilação mecânica per se pode determinar agravamento da lesão pulmonar preexistente, novas estratégias relacionadas à ventilação mecânica têm sido utilizadas recentemente.

O emprego de volume corrente reduzido, hipercapnia permissiva, ventilação limitada a pressão, ventilação com relação inspiratória: expiratória invertida e ventilação em pronação (ou em decúbito ventral) têm sido utilizados como forma de diminuir ou atenuar os efeitos lesivos da hiperdistensão alveolar, e, em última análise, diminuir as complicações e mortalidade associadas à SARA e LPA (Quadro II).


Aceita-se atualmente que a pressão transalveolar deva ser menor que 30 mm Hg, o que se traduz em pressão de plateau da via aérea entre 30 e 35 cm H2O.

Volume corrente reduzido e hipercapnia permissiva

Atualmente, reconhece-se que algumas técnicas de ventilação mecânica podem potencialmente causar ou agravar a lesão pulmonar, e que o comprometimento do parênquima pulmonar depende do grau de distensão alveolar. Assim, menor distensão alveolar (menor volume corrente empregado) implicaria em lesão pulmonar menos intensa. Entretanto, a redução na distensão alveolar através da utilização de menor volume corrente e menor volume minuto determina elevação da PaCO2.

A hipercapnia permissiva é uma nova estratégia de ventilação mecânica envolvendo redução do volume corrente (4-8 mL/kg) sem alteração da freqüência respiratória, levando a uma redução da hiperdistensão alveolar, diminuição da pressão nas vias aéreas e aumento da PaCO2, com conseqüente acidose respiratória, a fim de diminuir a pressão transalveolar. Vários estudos clínicos demonstraram que níveis elevados da PaCO2, são bem tolerados, além de comprovarem declínio nas taxas de mortalidade em doentes com SARA(24,25-29). Feihl e Perret, após detalhada revisão dos efeitos fisiológicos e fisiopatológicos da hipercapnia e do estudo e avaliação da tolerância à acidose respiratoria grave, concluíram que a hipercapnia representa uma interessante opção para doentes em ventilação mecânica, uma vez que permite adequada oxigenação e previne os efeitos adversos relacionados a excessivas pressões na via aérea (barotrauma)30. Entretanto, há necessidade de um ajuste intracelular aos níveis elevados da PCO2,razão pela qual a elevação do CO2 plasmático deve ocorrer de forma gradual, geralmente em 12 horas, e não superior a 10 mmHg/hora até um nível máximo de 80 ¾ 100 mmHg, mantendo oxigenação adequada com SaO2 > 90% e um Ph tolerável (7,2 ¾ 7,3).

Entretanto, existem efeitos deletérios decorrentes da hipercapnia, tais como a elevação aguda da pressão intracraniana em doentes com lesão cerebral, a ocorrência de hipertensão moderada, aumento do trabalho cardíaco e aumento da resistência vascular pulmonar. Assim, a utilização deste método está contra-indicado em doentes com traumatismo crânio-encefálico grave, alterações cérebro-vasculares, doença arterial coronariana grave e insuficiência cardíaca congestiva. A hipercapnia permissiva está contra-indicada em doentes com acidose metabólica rapidamente progressiva. Além disso, um fator limitante à sua utilização relaciona-se à necessidade, em alguns casos, de sedação10,23.

Recentemente, o Consenso Americano-Europeu sobre SARA recomendou a utilização da hipercapnia permissiva com o objetivo de minimizar os efeitos indesejáveis da pressão elevada na via aérea. Portanto, tendo-se em mente as contra-indicações devido aos possíveis efeitos adversos do aumento da PaCO2, a hipercapnia permissiva parece ser uma estratégia eficaz visando a proteção pulmonar31.

Ventilação mecânica com relação inspiratória: expiratória invertida

A relação entre o tempo inspiratório e o tempo expiratório em indivíduos normais com respiração expontânea é de 1:2. Durante ventilação mecânica, essa relação é controlada pela velocidade de fluxo através da qual o volume corrente é ofertado ao doente, e pela freqüência respiratória. Diminuindo-se a velocidade de fluxo, prolonga-se o tempo inspiratório e encurta-se o tempo expiratório. A forma de ventilação mecânica na qual o tempo inspiratório é igual ou superior ao tempo expiratório é denominada de ventilação mecânica com relação inspiratória: expiratória invertida.

Nesta modalidade de ventilação mecânica, a melhor oxigenação obtida com o aumento do tempo inspiratório e inversão da relação I:E, ocorre por haver heterogeneidade entre unidades alveolares, permitindo-se que aquelas com maior constante de tempo possam ser recrutadas, melhorando a troca gasosa.

Alguns estudos sugeriram que a ventilação mecânica com relação inspiratória: expiratória invertida é benéfica em doentes com insuficiência respiratória grave, já que propiciaria melhora na oxigenação em decorrência da diminuição da pressão de pico inspiratório32-35.

Recentemente, reconheceu-se que a pressão média na via aérea é mais importante que a pressão de pico inspiratória no desenvolvimento de barotrauma, diminuindo o entusiasmo em relação a essa modalidade ventilatória, uma vez que a inversão da relação inspiratória: expiratória acarreta aumento da pressão média na via aérea36. Deve-se ainda salientar que o aumento da pressão média nas vias aéreas e, consequentemente, na pressão intratorácica, pode levar à diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco.

Lessard et al.36 compararam a ventilação com relação inspiratória: expiratória invertida à ventilação com pressão e volume controlados em 9 doentes com SARA, não encontrando melhora na oxigenação com a utilização desta modalidade. Shanholtz e Brower questionaram a utilidade da ventilação com relação inspiratória: expiratória invertida na SARA, já que a melhora na oxigenação pode ser conseqüente à redução do tempo expiratório, criando um efeito semelhante ao PEEP e sugeriram que o mesmo efeito pode ser obtido com a utilização apenas do PEEP sem alteração da relação inspiratória: expiratória, com a vantagem de haver um menor efeito sobre a pressão média na via aérea37.

De fato, tal modalidade ventilatória também apresenta alguns efeitos adversos, tais como o aumento da pressão média na via aérea, necessidade de sedação em doentes nos quais a relação inspiratória: expiratória > 1,5 : 1 e a ocorrência de auto PEEP com a redução do tempo expiratório.

Ventilação em pronação (decúbito ventral)

O conceito de ventilação mecânica em pronação não é novo, entretanto só foi incorporado à prática clínica recentemente, após os estudos com tomografia torácica determinarem que a SARA é uma doença heterogênea, na qual alvéolos normais entremeam-se a alvéolos comprometidos38. Esses estudos demonstraram que a perda de volume pulmonar nos doentes em decúbito dorsal com SARA é dependente da gravidade, sendo a parte posterior do pulmão geralmente melhor perfundida. Colocando-se os doentes em decúbito ventral, haveria melhor mobilização de fluidos e secreções, melhor perfusão e diminuição do "shunt" com conseqüente melhora da oxigenação. Gattinoni et al.38 demonstraram que a redistribuição das áreas de condensação ocorre rapidamente após a mudança de posição. Ao contrário do que acontece com os fluidos e secreções, o fluxo sangüíneo não se altera com a mudança de posição; em outras palavras, a porção posterior ou dorsal dos pulmões continua sendo perfundida, só que com maior número de alvéolos sendo ventilados.

Diversos estudos clínicos, incluindo pequeno número de doentes, demonstraram evolução mais favorável dos doentes ventilados em pronação. Em conjunto, esses estudos comprovaram diminuição da fração de "shunt", aumento da complacência pulmonar, aumento da PaO2, diminuição da FIO2, melhora na relação PaO2/FIO2, e melhor sobrevida39-43.

Entretanto, os fatores que determinam quais doentes se beneficiariam com tal método ainda não foram completamente elucidados e, apesar de haver melhora na oxigenação, esta não é homogênea. Os doentes tratados por esse método dividem-se, quanto ao resultado, em três diferentes grupos: os que após retornarem ao decúbito dorsal mantém PO2 e PCO2 n1os mesmos níveis anteriores a pronação; os que apresentam melhor oxigenação em relação ao decúbito dorsal prévio e pior do que aqueles obtidos durante a pronação e os que apresentam melhor oxigenação em relação a fase de pronação e decúbito dorsal prévio44.

A duração da ventilação em pronação também não está definida. Em algumas unidades de tratamento intensivo, os doentes são mantidos em pronação por período específico de horas (2-8 horas), enquanto que em outras, são mantidos em pronação até que não seja observada melhora adicional na PO245.

Jolliet et al.40 concluíram que a ventilação em pronação acarreta melhora na oxigenação em um grupo de doentes com SARA grave, sem efeito hemodinâmico deléterio e que a ausência de resposta inicial a esta estratégia não acompanhou de piora na hipoxemia ou instabilidade hemodinâmica. Esses autores sugeriram que avaliações repetidas, tanto dos parâmetros gasométricos quanto da mecânica pulmonar, com os doentes em pronação fossem efetuadas com o intuito de identificar se aqueles que potencialmente poderiam se beneficiar de tal estratégia (aumento na PaO2 > 10 Torr ou > 1.3 kPa ou aumento na relação PaO2/ FiO2 > 20 após duas horas em pronação).

Outro ponto relevante a ser discutido são as possíveis complicações deste método. Curley, após revisão dos estudos sobre ventilação em pronação na SARA, relatou como possíveis complicações a instabilidade hemodinâmica, extubação endotraqueal inadvertida, queda na saturação de oxigênio, atelectasia apical, obstrução do tubo endotraqueal, obstrução do dreno torácico, mal posicionamento do cateter venoso central e/ou do cateter femoral de hemodiálise, compressão do cateter de infusão de drogas vasoativas, episódio transitório de taquicardia supra-ventricular, edema de face e parede torácica anterior, escaras de decúbito, contraturas, calcificações (ombros), intolerância ou aspiração em doentes com dieta enteral, e úlcera de córnea46.

Tais complicações ocorrem em incidência variável, no entanto, é importante para a equipe médica tê-las em mente quando da decisão de utilizar tal estratégia de ventilação mecânica.

Ventilação mecânica visando a "proteção pulmonar".

Em função da recente descrição de que formas convencionais de ventilação mecânica possam ser prejudiciais aos doentes com LPA e SARA, novas estratégias de ventilação mecânica visando a "proteção pulmonar", caracterizada por volume corrente entre 4mL/Kg e 8mL/Kg, hipercapnia permissiva com PaCO2 entre 60 mmHg e 100 mmHg, pH > 7,2 , pressão de plateau inspiratória menor ou igual a 30 cm H2O, pico de pressão inspiratória menor ou igual a 40 cm H2O, PEEP entre 5 cm H2O e 25 cm H2O com o objetivo de manter FIO2 < 60%, relação Inspiratória/Expiratória < 1:1 (máximo 1,5:1), freqüência respiratória menor ou igual a 25 a 30 por minuto, FIO2 < 60%, SaO2 > 88%, PaO2 > 50-60 mmHg, têm sido utilizadas e submetidas a estudos clínicos prospectivos.

Amato et al.47 avaliaram, de forma prospectiva e randomizada, os efeitos da estratégia de "proteção pulmonar" com a ventilação mecânica convencional em doentes com SARA. A "proteção pulmonar" caracterizava-se por volume corrente de 6 mL/kg a fim de reduzir hiperdistensão alveolar, associada a hipercapnia permissiva. A fim de reduzir o pico de pressão inspiratório, os doentes eram ventilados com pressão limitada e inferior a 40 cm H2O. PEEP era otimizado com base em curvas de complacência a fim de manter os alvéolos parcialmente abertos, minimizando assim colapso e cisalhamento alveolar. Este estudo demonstrou que a estratégia de "proteção pulmonar" empregada determinou melhor função pulmonar caracterizada por melhor complacência pulmonar, diminuição na relação PaO2/FIO2 e no "shunt" pulmonar e taxas elevadas de "desmame" da ventilação mecânica.

Em estudo subseqüente, Amato et al.24 avaliaram a sobrevida comparando a estratégia de "proteção pulmonar" à ventilação mecânica convencional. Esses autores encontraram diferenças significativas a favor do grupo tratado com volume corrente reduzido, incluindo menor incidência de barotrauma, maior taxa de "desmame", e menor mortalidade avaliada durante os primeiros 28 dias após instituição da terapêutica, entretanto não encontraram diferença na sobrevida em relação a alta hospitalar.

Stewart et al.29, empregando volume corrente de 7 mL/kg comparado a um grupo de doentes nos quais foi utilizado volume corrente de 10 mL/kg, não encontraram diferenças em relação à mortalidade hospitalar. Brochard et al.48, após avaliarem 116 doentes em dois diferentes grupos, com volumes correntes de 7 mL/Kg e 10 mL/Kg, respectivamente, não encontraram, após 60 dias, diferença entre os grupos com relação a mortalidade, tempo de ventilação mecânica, incidência de pneumotórax ou falência de múltiplos órgãos e sistemas.

Recentemente, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH), devido aos diferentes resultados obtidos nos trabalhos anteriores, criou um grupo de estudo para avaliar a validade da estratégia de "proteção pulmonar". Neste estudo foram comparados volumes correntes de 6 mL/kg e 12 mL/kg em doentes com LPA e SARA. O plano inicial era de incluir 1000 doentes, e as variáveis analisadas seriam a porcentagem de sobreviventes com respiração expontânea aos 180 dias e o número de dias sem ventilação assistida aos 28 dias. Após a inclusão de 861, o estudo foi suspenso em função da redução de 22% nas taxas de mortalidade do grupo tratado com volume corrente reduzido, além de significativa redução na duração da ventilação mecânica49.

O estudo conclui que essa técnica de ventilação, visando a proteção pulmonar em relação a hiperdistensão alveolar, resulta na melhora de diversos parâmetros clínicos e recomenda sua utilização em doentes com LPA e SARA.

CONCLUSÕES

O melhor entendimento da fisiopatologia da SARA e da LPA, e a contribuição da ventilação mecânica tanto para o tratamento como para o agravamento da insuficiência respiratória são de fundamental importância para que novas estratégias de ventilação mecânica sejam avaliadas e empregadas. Em função das diversas estratégias de ventilação mecânica e do emprego de inúmeros agentes farmacológicos (não discutidos nesta revisão) na SARA e LPA, fica claro que ainda há muito a ser pesquisado e aprendido. Entretanto, o emprego de volume corrente reduzido, minimizando a hiperdistensão alveolar, parece ser o maior avanço relacionado a ventilação mecânica desde o advento do PEEP, há mais de duas décadas, e o único com comprovado impacto na taxas de mortalidade10,23.

Artigo recebido: 19/02/2001

Aceito para publicação: 08/08/2001

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2002
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Aceito
      08 Ago 2001
    • Recebido
      19 Fev 2001
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